quinta-feira, 29 de maio de 2008

Sentir

O que ela mais precisava era sentir!

Qualquer coisa. Mas sentir.

Que fosse ódio. Que fosse terror. Que fosse medo. Que fosse paixão. Que fosse tesão. Mas que sentisse na pele.

O toque, que já era raro, desapareceu por completo. E o abandono trouxe a insensibilidade, enraizando no peito uma apatia silenciosa e mortal.

Ela tinha urgência. Se desesperava. Era imprescindível a volta do sentir.

Qualquer coisa!

Mesmo que fosse um sentir mascarado. Mesmo que toque fosse uma mentira.


quarta-feira, 28 de maio de 2008

O apaixonar-se

Quando o gelado começa a transitar pelos órgãos internos, você entende todo o enredo.
Essa sensação é o singelo anuncio do apaixonar-se.
A montanha russa vai começar.
O medo constante, casa-se com o ciume.
O orgulho fica à espera. E, na primeira oportunidade, invade. Destruindo e subtraindo. Somando.
Transformando num trio aquilo que era único.
Eu. Você. E... mais uns.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Final Feliz

No cinema, quando ele parte, ela encosta-se na porta e o choro que desce pelo rosto a faz desabar no chão. Ele segue. E ela fica com aquela dor. Sentada. Na esperança de que ele volte. No fim, ele volta. Entrega a ela o final feliz.

Na vida, ela não encontra sustentação. Ela apenas perde todo o fôlego. Enquanto ele parte, ela fica desfigurada. Com uma rocha posta no peito.
Ele segue. E ela fica procurando uma maneia de respirar. Uma maneira de deslocar aquele peso. Uma maneira de compor-se ao que era.
Não há volta. Procura alternativas. E descobre que mesmo respirando menos, a vida ainda é percebível.
Então, para o final feliz ela escala um substituto.

domingo, 25 de maio de 2008

25 de maio

A dor ainda é a mesma.

A mesma intensidade.

O mesmo vazio e a mesma incompreensão ainda fazem morada no peito.

Há onze anos, também era um domingo. Também uma manhã ensolarada.

Um 25 de maio que ganharia contornos de tristeza.

A casa de repente ficou cheia de pessoas.

Misturavam-se o choro, o abraço, as perguntas, e, os agora?

A cabeça latejava. A mente fervilhava a procura de respostas.

O nervosismo e o pânico pediam um trago de cigarro. E foi com essa justificativa que ela saiu daquela sala.

Com essa desculpa ela ganhou a porta da rua para apagar aquela visão.

-To indo comprar cigarro.

Os amigos seguiram-na. Num cortejo silencioso. Contemplando a cadencia do corpo daquela menina, que mesmo forte e equilibrada, parecia que desabaria a qualquer instante.

Eles carregavam no peito o medo do que o desespero dela poderia ordenar. Tinham medo de perdê-la naquela manhã.

Compraram cigarros para ela.

Fumou. E fumou outro. Mais outro.

E chorou.

Não tinha coragem de erguer a cabeça. De encarar os amigos.

Tinha medo de lembrar o porquê a cabeça doía. E então fumava.

No retorno, o cortejo a seguia apenas observando. Temerosos.

Se ela caísse, eles estariam lá. Esse era o acordo tácito. Esse era o pacto.

Voltaram para sala. Ela e os amigos. E os outros começaram a partir.

O silencio agora era o dono daquele lugar. Só corpos mudos esperando a ordem.

Finalmente um homem quebrou aquela mudez. Declarou que o medico já assinou o atestado de óbito e o velório dentro de uma hora começaria.

Enquanto ela chorava, o homem ainda deu ordem para que se aprontasse.

Os amigos partiram com a promessa de encontrarem-se lá.

Ele ficou. Mudo. Sentado ao lado dela. Apenas presente para ela.

Ela, enfim, desabou no sofá.

Quando percebeu, estava fumando em frente do cemitério. Quando percebeu que ele segurava sua mão, viu que era verdade.

Ao seu corpo então foi arremessado toda aquela sensação que deu inicio a manhã de domingo. E aquele 25 de maio inaugurado com a visão daquele corpo tombando diante dos seus olhos, tatuou no corpo daquela garota de 17 anos a dor do morrer.

Selvageria

Como manter os olhos abertos e o corpo ereto diante da humanidade?

Atitudes.

Desejos.

Mentiras.

Hipocrisia.

Personalidade viciada.

Rostos pintados para encobrir o lobo.

Tudo. Tudo colaborando para a única conclusão: não há como manter-se puro diante de tanta selvageria!

Curve-se. E continue vivendo nessa “comunidade”.


sexta-feira, 23 de maio de 2008

Péssima idéia

Não é uma boa idéia beber e usar o celular.
Não é uma boa idéia manter uma agenda com contatos que inclua ex-namorados.
Não é uma boa idéia deixar recados na secretaria. Por sinal, é uma péssima idéia-a humilhação fica eternizada!
A única boa idéia é a famosa amnésia alcoólica. Essa é a única desculpa cabível após uma ressaca de feriado!
-Mas eu fiz isso! Jura! Não lembro de absolutamente nada!

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Cuida do seu...

O que leva as pessoas a palpitarem na vida dos outros?
Francamente.
Será que não basta as complicações diárias, as batalhas ideológicas, as diferenças pessoais, com a qual cada um tem que lidar diariamente?
Será que é preciso mesmo ter que ouvir da boca de alguns fulaninhos como é que se tem que viver?
A esses metidos a filósofos e revestidos de psicólogo intelectual só digo uma coisa:
-CUIDA DO SEU, QUE DO MEU CUIDO EU!

domingo, 18 de maio de 2008

Alívio

O peito recebe diariamente aquele empuxo de ações alheias.

São dores. Humilhações. Descasos. Silêncios. Ausências.

Emoções acumuladas que em determinado momento transbordara em qualquer desespero incontrolável. Que emerge a superfície desaguando num choro tremido de tristeza.

O alivio então retorna ao seu lugar. E o peito refeito, prepara-se novamente para a semana.

sábado, 17 de maio de 2008

Saudades e distancia

-Eu sinto tanta saudades de nós.
-Sente nada! Deixa de ser mentiroso.
-É sério!
-Ham. Tá bom. Se não te falaram, fique sabendo: eu moro do seu lado. Como pode sentir saudades se sou sua vizinha? Toca a companhia cara! Simples assim.
-Você não entende nada mesmo.
As vezes a distancia vai alem do espaço físico.

Talvez uma virose

Confesso que essa semana uma doença apoderou-se de meu corpo.

Me fez assim, entre sorrisos e gentileza. Me fez dócil e afável.

Uma alegria imbecil e injustificada que me fazia distribuir delicadezas até aos mais distantes.

Que me fez realizar passos de dança na sala. Cantar. Assoviar. Contemplar e desejar coisinhas de gente apaixonada.

Suspeito que nessa semana, em virtude dessa tal doença, a gravidade agiu completamente diferente em meu corpo. Flutuei com uma felicidade besta esses seis dias!
Estranhamente meu umbigo perdeu a exclusividade.

Mas esses sintomas devem passar. Me indicaram uma dose de pessimismo que deve contribuir para o pronto restabelecimento do meu corpo.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O mesmo clichê

Da mesma igualdade todos querem as diferenças.

Sou único. Sou especial. Insubstituível.

Mentiras contadas tantas vezes que perderam seu momento inédito.

Sou apenas um sujeito normal.

Essa, a única verdade. E é combatida ferozmente por aqueles que temem a constatação do óbvio:

Ser normal é chato!

Melhor se-lo do que viver à margem.

Mesmo que joguem um verniz na personalidade, mesmo que pintem, rasguem, a raiz continua e continuará a mesma.

Viva a igualdade!

Uma vida tão maquinada. Tão banal.

Sempre com o mesmo desfecho! Entre uma cena e outra até pode existir o “gancho”, mas o clichê permanece.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Novo Hobby

Por uma semana dedicou a vida a um novo hobby.
Manteve o foco, o pensamento e todo o tempo que tinha naquilo que lhe foi recomendado- o tal do NOVO HOBBY.
Empregou suas melhores idéias.
Contornou todos os problemas.
Venceu todos os desafios.
Nos sete dias conseguiu respirar apenas o proposto.
Mas transcorrido a semana, nos exatos minutos do oitavo dia, ligou para sua terapeuta.
-Doutora! Desculpe pelo horário, mas não posso mais esperar. A partir desse instante exato, volto para o meu mais belo e antigo vicio, e, abandono definitivamente essa hobby que me empurrou goela abaixo. Até a próxima sessão. E boa noite!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Sobreviver

-Para onde ir quando já se foi longe demais?

-Francamente! Não posso acreditar que essas palavras saíram da sua boca.
Só falta agora você me dizer que está velho demais para continuar saltando de pára-quedas?

-Bom você tocar no assunto. Esse final de semana, acho melhor não participar do salto com o grupo.

-Posso saber o por quê?

-Porque eu sonhei que me estatelei no chão, tudo porque o pára-quedas não abriu. Acho melhor parar com essa mania de esportes radicais! Vai que o sonho foi um presságio... melhor não arriscar.

-Sabia! Você assumiu a coleira. Pior, permitiu que aquela maluca da sua noiva fizesse uma lobotomia em você. Que foi? Vai dizer que de repente tem medinho de morrer?

-Como você é infantil! Que coleira o que. Ninguém me diz o que fazer. E claro que tenho medo de morrer... Credo.
Ainda tenho muito o que viver e, não posso ficar me arriscando nessas loucuras que a turma inventa. Chega! Vou construir uma família, quero filhos. Já não posso mais andar por ai como um adolescente enfurecido. Eu tenho que me preservar.

-Isso ai. Preserva mesmo. E preserva bonito, porque viver meu amigo, já não é mais pra você. Agora você só sobrevive! E com medo! De coleira.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Descobertas

-Serio! Não entendo!

-Pois então não entenda! Apenas fique quieto. Veja...Olhe para baixo.

-Ahm. Lindo. Agora podemos ir embora?

-Nossa, mas quem tem medo de altura sou eu, e é você que está todo apavorado!

-Se você tem medo de altura, o que nós estamos fazendo aqui em cima? E como foi que você conseguiu a maldita chave do terraço?

-Você não vai ficar quieto mesmo? Eu não devia ter te contado que era aqui que eu vinha. Devia ter continuado em segredo, ai, você não ia ficar me enchendo para vir junto... E nem ficaria matracando!

-Chata! Eu fico quieto, mas depois a senhora vai ter que me dar umas explicaçõezinhas. E só para constar, NÃO ESTOU APAVORADO!

Ele encarou o sorriso largo dela e não conseguiu segurar o riso.

Trocaram olhares e revezaram o sorrir.

Ficaram mais uns quarenta minutos no terraço. Em silencio. Em absoluta contemplação. Só foram embora quando a lua já tinha tomado o lugar do sol.

Desceram os treze andares. Conversando. Ele inquirindo ela. E ela apenas respondendo.

Sempre faziam isso. Ele sempre perguntando e ela sempre respondendo.

Era essa a dinâmica. Ele o jornalista, e ela a entrevistada. Às vezes respostas sinceras. Às vezes perguntas ardilosas.

-Mas se você tem medo de altura, que porcaria que você vai fazer lá em cima?

-Tenho medo de altura sim, mas isso perde a importância quando eu passo a ver com mais clareza...

-Que coisa ridícula! Nunca ouvi nada mais besta! Serio, o que você vai fazer lá em cima, mulher?

-Menino chato! Eu vou pra conseguir um pouco de silencio, mas agora que você foi atrás de mim, foram-se meus momentos de calma!

-Hum, até parece que você aprecia o silencio. Nem vem! Nem tenta dá uma de pensadora pra cima de mim!

-Nem sei porque eu ainda converso com você!

-Eu sei. Alem de eu ser incrivelmente lindo, sou extremamente encantador e eloqüente.

-Francamente, Alê! Humildade às vezes é bom.

-Mas agora fala, como conseguiu a chave?

-Eu roubei do sindico.

-Ah!

-Roubei mesmo!

Ele se perdeu na afirmativa dela. Acreditou realmente que ela havia roubado a chave, mas não conseguia deixar de pensar o que fez cometer tal ação.

Ficou intrigado. Pensativo. Apreensivo.

Não conseguia entender as mudanças que vinham ocorrendo nas atitudes dela. Mais confiante. Mais independente. Menos tacanha.

Ele estava completamente extasiado com os modos dela.

Queria perguntar o que ocasionou as mudanças, mas tinha medo da resposta. Ficava com medo que de repente ela se transformasse radicalmente e não o procurasse mais, que seguisse outros caminhos que o afastariam.

Tinha medo das mudanças. Tinha medo das novas descobertas daquela personalidade, e o seu real significado.

Naquele fim de tarde ele percebeu que ela não desempenharia por muito mais tempo o papel de fiel escudeira. Naquelas palavras ele descobriu que a perderia se continuasse mantendo o silencio.



Aquele tempo

Foi-se o tempo em que eu perdia os sentidos ao te ver.

Que os beijos e o toque da sua pele me levavam a céus violetas.

O tempo em que as palavras eram apenas a expressão do nosso coração.

Que os sentimentos não precisavam ser camuflados em fantasia.

Foi-se o tempo em que nossa distancia só existia no intervalo de um compromisso.

Que a vida era simples e os domingos sinônimos de carinho preguiçoso.

Foi-se o tempo em que vivíamos entre sorrisos e nos alimentávamos de beijos.

Que a vontade alheia não tinha força para nos destruir.

O tempo que resistíamos ao orgulho. A mentira. Aos ciúmes.

Aquele tempo que fez de dois apenas um.

O tempo morreu.

Desfez toda aquela alegria. A união. O amor.

Substituiu os sorrisos. Escondeu as verdades. Os afetos. A simplicidade.

Transformou dois em um conturbado e rebuscado esboço de solidão

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Pessoas

Pessoas.

Pessoas chatas.

Pessoas burras.

Pessoas interesseiras.

Pessoas fofoqueiras.

Pessoas inconvenientes.

Pessoas mentirosas.

Pessoas que invadem o discurso.

Pessoas...

Pessoas e pessoas que me rodeiam e soltam diálogos inúteis.

Pessoas e pessoas que sempre querem a minha atenção.

Pessoas que se fazem necessária a minha sobrevivência...

Que pessoas?

Quantas pessoas?

Por que das pessoas?

Pessoas e pessoas que se somam nesse coletivo mundano.

E eu mais uma pessoa.

sábado, 10 de maio de 2008

Em uma Bienal...

Em uma Bienal de Livro qualquer, em um sábado muito quente, Pedro passeava despreocupado e entretido no meio dos estandes das editoras.

Olhar atento. Observador. A procura e, na esperança de encontrar Macunaíma a um preço baratinho, baratinho. Esperança que se desfez após uma hora.

Já tinha caminhado e dançado pelos título, mas não encontrou nada de Mário. E desanimado, resolveu abandonar a feirinha de livros e seguir outros rumos mais interessantes.

No momento em que quase alcançava a rua, foi detido pelas palavras de uma jovem entusiasmada:

-Já pegou seu brinde? Vejo que não, venha ate aqui então para retirá-lo...

Pedro foi. Afinal brinde é brinde!

-Nobre professor, escolha uma revista...

-Não sou professor!

-Ah, não? Mas tem cara de professor!

-Mas não sou...

-Mesmo assim, escolha uma revista, é brinde. Só que como não é professor, não pode ser essas aqui, tem que ser aquelas lá!

Pedro olhou. Olhou. E com a certeza de que ficaria mais besta carregando aquela papelada inútil, recusou o brinde.

-Ah, então eu deixo escolher uma das de professor! Pode escolher.

Pedro torceu o nariz.

-E pra ministro da educação, o que é que você tem? A parodia da educação em três volumes!?

Tempo

Quanto tempo precisaria para esquecer o seu corpo?
Meses?
Semanas?
Anos?
Quanto tempo?

E mais uma vez, as sensações e emoções ficam submetidas a esse mestre certeiro que é o malfadado Tempo.

É culpa dele.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sou assim...

Sou assim...

Hora cordial.

Hora seca.

Hora afável.

Hora sarcástica.

Hora amigável.

Hora nefasta.

Sou assim, entre a linha da sanidade e alienação.

Sempre dançando pelo corredor da loucura.

Celebrando os infortúnios da depressão.

Sempre mantendo meu sutil contorno bipolar!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A ignorância das massas me surpreende!
Sem imparcialidade. Sem consciência. Acéfalos.
Perpetuando a cegueira secular e o status quo de quem aprendeu armar o circo.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

7 de Maio

Não precisavam de palavras.
Não precisavam de justificativas.
Não precisavam de nada. Apenas que o tempo parasse e permitisse que ficassem abraçados. Sentindo o calor um do outro.
Era amor. Sempre foi amor. E aquele abraço constatava a única realidade imaginável. Amor!
E aquele gesto não era apenas o símbolo de uma amizade.
A ocasião podia negar-lhes o beijo, o toque, a união, mas não era suficiente para ocultar o sentimento.
A inconveniência ditada pela prudência podia exigir a negativa do desejo. A necessidade em camuflar a paixão em afeto. Mas o amor, esse não podia mais ser categorizado em amizade.
Durante os dez segundo que ficaram aninhados nos braços um do outro declararam silenciosamente que a paixão ainda vivia.
A pele carregou o dialogo daqueles dois corpos. Ecoou no peito o grito do eu te amo.
Separaram-se. Perderam-se nos olhos um do outro. Ela tentando disfarçar a vibração. Ele tentando esconder o segredo revelado.
Seguiram em direções opostas.
Ele caminhou até a namorada.
Ela seguiu em direção a cozinha. Deu ordem para que o jantar fosse servido.
Ele e ela passaram a noite de 7 de maio fingindo que eram bons amigos. Que apenas se importavam com a reconciliação da amizade.
Transformaram a noite do aniversário dela em uma noite de certeza. Sabiam que pela manhã retomariam a paixão que já haviam experimentado.


terça-feira, 6 de maio de 2008

Retrato

Escolheu o vestido mais bonito. Embora o mais sério. Cinza.

Maquiagem muito pouca, apenas um batom, uma base, e apenas isso. Imaginava que com seus 65 anos não havia mais maquiagem que pudesse esconder a ação do seu passado.

O cabelo preso, em um coque no alto da nuca.

Sapatilha preta.

As vestes sóbria e a sisudez apenas refletiam a personalidade solida daquela senhora apática.

Venceu os 33 degraus que a separavam de seu vizinho.

Sem cansaço. Sem ofegar.

Contente. Serena.

Tocou a companhia e esperou que o jovem fotografo a recebesse.

-Boa tarde, dona Rosa. Em que posso ajudá-la?

-Boa tarde meu filho. Lembra que você ficou de tirar meu retrato? Pois então, meu jovem, estou eu aqui, pronta para o retrato.

-Claro, dona Rosa. Vamos entrando. Me de cinco minutinhos para preparar tudo...

Rápido.

Sem dialogo.

Em apenas 10 minutos a pose escolhida ficou gravada.

Não foi preciso segundo disparo.

As características daquela face não foram atenuadas, ao contrario, explodiam com a mesma fidelidade bruta daquela personalidade.

Todo o talento do fotografo foi vencido pela estática daquele olhar inexpressivo. E mesmo querendo continuar com a sessão de foto, mesmo querendo que ela relaxasse, deixou de lado a vontade de vencer aquela barreira de infelicidade . Sem conseguir expor um sorriso em dona Rosa, o rapaz foi obrigado a deixar que ela partisse carregando aquela imagem depressiva.

-Obrigada meu filho. Ficou ótimo. O retrato ficou do jeitinho que tinha imaginado.

-Fico contente em saber. Mas da próxima vez, vai ter que sorrir! Saiu tão seria! Tão triste, dona Rosa.

-Meu filho, seria de mau gosto, eu, toda alegre e sorridente, no retrato para a lapide. Meu falecido marido não iria aprovar.

E foi-se.

Deixou o jovem mergulhado em pensamentos e melancolia.

-Retrato para lapide?!


domingo, 4 de maio de 2008

Ela não sou eu

Eu não sou ela.

E ela não sabe sorrir como eu.

Não sabe te sentir como eu.

Ela não sabe tanta coisa a seu respeito. E, no entanto, foi ela quem você escolheu.

E eu não sei o por quê?

Se sou eu quem você procura quando quer sentir, por que é que escolheu ela?

Se ela não sou eu, por quê?

sábado, 3 de maio de 2008

No aniversário dele

- Alê?

-É você, Paty?

-Oi. To ligando só pra desejar um feliz aniversario...

Era a primeira conversa entre eles. Desde Fevereiro que não se falavam. E mesmo sendo um inicio esse primeiro dialogo estava longe de representar o retorno da amizade.

Causava uma certa estranheza naqueles dois essa falta de intimidade.

A ausência da cumplicidade abria um protocolo totalmente novo entre eles, e tanto ele como ela não sabiam ao certo como agir. Apenas sabiam que aquele silencio instalado era desagradável.

Era aniversario dele, e ela, diferente dos anos anteriores, não sabia ao certo o que fazer, e se fazer!

No maio passado sabia. Sabia que teria festa, o que falar, o que comprar de presente. Sabia como agir. Sabia que fazia parte!

Mas esse ano, nesse maio, não tinha certeza.

Ligar? Ir a casa dele? Comprar presente? Fazer de conta que esqueceu?

Será que fica chato...?

Ela passou a tarde toda pensando nele. Pensando se era certo, se era errado, se deveria... Até que se decidiu.

Ligaria. Desejaria o melhor para ele. Compraria presente. E se fosse convidada para festa, também iria.

Ora, ele desde de sempre foi meu amigo. Não é porque agora somos ex-namorados que vou fingir que esqueci que dia é hoje!
E se eu não ligar o que ele pensará de mim? Essa barreira entre nós tem que sumir!

Naquela noite, naquele telefonema, a ordem tentava ser restabelecida. Ela tinha dado o primeiro passo para a reconstrução da afinidade.

-Obrigada Paty. Você tá na sua casa?

-Estou sim, por quê?

-Posso passar daí?

-Pode sim. Você vem agora?

-Daqui a pouquinho chego ai então. To saindo do clube e chego já.

A sensação de frio na barriga incomodava aos dois. E quando se olharam...a estranheza os fez tremer.

O que falar?

O que fazer?

Ele, desceu do carro. Foi ate ela e a abraçou.Ficaram assim por apenas cinco segundos.

Conversaram. Falaram sobre o nada. Deixaram o tempo passar. Tentaram se atualizar da vida um do outro. Tentaram disfarçar o incomodo.

E a vontade de perguntar está ficando com alguém, ficava martelando na cabeça deles. As respostas, porem, os impediam de perguntar. Melhor a ignorância. Melhor fingir tranqüilidade.

De todas as formas, com tantas palavras, lutaram para transformar aquela noite em velhos momentos... Mas fracassaram.

Não eram mais os mesmo. Estavam magoados. E o coração não era capaz de vencer o orgulho.

Assim, foram obrigados a criar um alivio passageiro, uma mentira confortável.

Passaram um verniz naquela antiga historia tentando proteger a amizade que juraram manter.

No aniversario dele descobriram que contornar o desconforto era muito mais difícil que vencer o orgulho ferido. Naquela noite perceberam que nunca mais dividiriam suas historias.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Esperando pelo beijo

-Me dá um cigarro?

-Não!

-Me dá um cigarro.

-Não!

-Vai, me dá um cigarro!!

-Não! Fica quieto e olha aquela mulher esquisita atravessando a rua.

-Tá. Já vi. Agora me dá um cigarro!

-Ei menino mais chato! Toma! Engole o cigarro.

-Brigadu. Sabia que você ia ficar nervosinha. Agora me dá o isqueiro?

-Ihhh, não trouxe o isqueiro, não!

-Chata! Toma, não quero mais o cigarro.

E os dois rindo, continuaram sentados na calçada em frente ao prédio.

Olhando as pessoas passar pela rua.

Deixando o tempo correr.

Tocando a pele.

Sentindo desejo.

Querendo o gosto um do outro.

Era mais uma tarde das férias de julho na qual os dois, sem nada a fazer, inventavam desculpas para estarem juntos. Esperando que a vontade superasse a timidez. E que o beijo acontecesse.


quinta-feira, 1 de maio de 2008

Reflexo da minha inércia

Por mais que eu tenha caminhado, por mais que o tempo tenha passado, por mais que eu tenha mudado... tudo continua na mesma. Fiquei paralisada! Enraizada. Assistindo a vida passar.

Vi meus sonhos se perderem. As pessoas partirem. Os amores fugirem... E nada!

Uma marca de decepção foi instalada na minha pele. E tudo reflexo da minha inércia patética, do meu medo contagioso de arriscar, de viver, de ousar.

Às vezes até me esqueço quantas promessas deixei perdida pelos meses que se foram, quantos sentimentos achei melhor enterrar, quantas palavras decidi guardar só pra mim, quanto deixei de acreditar... apenas por ser o que sou.

Apenas por ter permitido aquela manipulação da minha genética gritar nos meus ouvidos:

- Não! Você não é capaz!

E por isso, e com isso, me tornei um mero espectador dessa vidinha banal e medíocre tão ao gosto de quem me amansou.

Não há vida!

O quadro permanece eternamente estático!

Alguém respira por mim e eu só assisto a tudo com aquela cara de quem vê televisão aos domingos!

Sou apenas o espectador desse grande nada que inventaram e plantaram na minha certidão.

Sou apenas o locatário desse quadro tão ultrapassado.